Este artigo apenas reforça o já anunciado cenário do fim de milhões de empregos em todas as áreas, promovido pela rápida substituição de mão-de-obra humana pela “mão-de-obra” robótica/digital.
Aqui antecipamos o fim do emprego na área financeira das empresas nos próximos 5 anos, ou antes, bem antes.
A ideia é construir uma rápida visão sobre as consequências, para o emprego,decorrentes da automação de processos e introdução de ferramentas e agentes de Inteligência Artificial (IA).
Vários fatores relevantes estão levando os CFOs – Chief Financial Officers a isso.
Com o aumento da profissionalização do mercado, leia-se crescente capacitação de profissionais gestores, seja pela maior competição, seja pela proliferação de cursos de administração e outros fatores, associada à pressão de sócios e outros stakeholders por maiores resultados, ficou ainda mais difícil obter ganhos competitivos satisfatórios na gestão financeira das empresas.
O meio mais óbvio que se tem, então, para resolver esse problema e aliviar essa pressão é pedir socorro à tecnologia.
CFOs do mundo inteiro estão, já há algum tempo, focando esforços, estudos e investimentos, de tempo e dinheiro, na direção de soluções tecnológicas para economizar custos operacionais e despesas administrativas.
Com o recente salto dado pela robótica digital (RPA – Robotic Process Automation), e especialmente pela IA, cresceu ainda mais esse apetite dos gestores pelas economias e ganhos, especialmente de tempo e menor risco, promovidos pela tecnologia.
A busca incessante por economia e eficiência também leva em conta as mazelas da mão-de-obra humana, especialmente nos regimes que ampliam os direitos e encargos trabalhistas.
Os erros humanos que os agentes digitais não cometem acabam pesando ainda mais essa equação. Robôs também não pedem aumento, não reclamam, não fazem fofoca, não falam mal dos outros, não furtam nada, não entregam atestados, não engravidam, não fazem greve… Enfim, robôs não fazem mimimi, só trabalham, 24 X 7.
Ah, muito importante! Robôs não ficam vendo redes sociais, nem se escondem atrás de telas de computador fazendo de conta que estão trabalhando.
Matéria do início deste mês publicada no portal Bloomberg Línea, sob o título Além do ChatGPT: big techs apostam em agentes de IA que fazem trabalhos para humanos, cita que Sam Altman, CEO da OpenAI, chama os agentes de “o próximo grande avanço” e que a Salesforce (CRM) já assinou acordos para instalar agentes de IA em mais de 200 empresas, como a Accenture, a Adecco, a FedEx, a IBM e a RBC Wealth Management.
Mais adiante, a reportagem nos informa que “a tecnologia de agentes vai um passo além, não apenas executando truques e dando respostas plausíveis a consultas, mas realmente realizando os tipos de tarefas repetitivas que hoje são realizadas por milhões de humanos”.
Ao mesmo tempo que fala sobre o que está acontecendo e ainda vai acontecer, a matéria coloca alguns depoimentos que tentam amenizar o quadro que está se desenhando a olhos vistos. Por exemplo, cita a fala de Altman considerando que “o mais empolgante, no entanto, é a perspectiva de um agente que atue como um colega de trabalho sênior realmente inteligente com quem é possível colaborar em um projeto”.
Em outro trecho a reportagem cita um evento recente da Salesforce em Nova York, no qual os executivos fizeram questão de enfatizar que os agentes não foram criados para roubar empregos. “Não vão nos substituir, vão agregar”, disse o CEO da Saks Global, Marc Metrick, em um vídeo promocional da Salesforce exibido durante a apresentação.
Vamos ser sinceros, imaginemos um CFO dizendo para seu Gerente Financeiro: “Este aqui é o agente JT1, seu novo colega. Informe a ele as suas rotinas diárias, mensais e anuais. Ele é um colega de trabalho sênior muito inteligente que vai colaborar com você.” Um tempo depois o gerente vai descobrir que JT1 na verdade se chama Job Terminator 1.
Muito engraçadinhos os Srs. Altman e Metrick. Poderiam ser mais francos e altruístas e começar a ajudar a sociedade a pensar em respostas sobre o que será feito com tantos desempregados. Como as empresas de tecnologia vão contribuir para promover compensações à sociedade? Sim, porque o ganho será dos seus acionistas e a perda será dos cidadãos, que até ontem tinham um emprego. Vão oferecer recolocação, capacitação, ajuda financeira, programas de apoio emocional etc.?
O discurso de que o que vai mudar é tão somente o perfil do emprego, e que as pessoas vão poder ter mais tempo para desenvolver atividades mais complexas, mais intelectuais e menos braçais, menos rotineiras, como negociações, pesquisas, criação de produtos etc., é válido, mas não muito.
Imaginar que as pessoas normais (que serão rotuladas como pessoas “burras”, por fazerem tarefas de baixa complexidade) vão ficar com as tarefas complexas que os agentes de IA não terão capacidade de performar é algo sem sentido. Inverte a lógica inteligente–complexo e burro–simples.
Ninguém vai querer colocar o “burro” para fazer tarefa complexa, tendo o inteligente, muito mais rápido, confiável e barato, para fazê-la.
O fato é que já estão sendo vendidos vários tipos de agentes de IA: agentes especializados, agentes assistentes, agentes colegas de trabalho, agentes supervisores e assim por diante.
Notícia publicada no portal The News em 22.01.2025, sob o título A China está criando hospitais inteligentes, nos dá conta de algo até então inusitado: “Acredite ou não, na China, foi criado o primeiro hospital operado por inteligência artificial do mundo. Ainda nas fases iniciais, o hospital conta apenas com médicos, enfermeiros e pacientes virtuais — que vão ser simulados por meio de bots, baseados em inteligência artificial generativa. A ideia é que no futuro, os médicos-robôs, guiados por AIs, possam atender cerca de três mil pacientes por dia, e tenham uma taxa de precisão de 93%. O Agent Hospital fica localizado em Pequim, e tem 14 médicos e 4 enfermeiros virtuais.”
Ora, se isso pode ser feito com médicos e enfermeiros, imaginem a facilidade de fazê- lo com o pessoal de finanças. Afirmo isso com base na experiência de 38 anos como Diretor Financeiro e quase 20 anos como consultor e executivo de empresas da Saúde.
Indo ao tema mais específico:
Vejamos as principais áreas de decisão financeira: aplicação de recursos, financiamento e destinação de resultados. O que deve acontecer com os empregos relacionados a cada uma dessas áreas?
Bem, parece-nos mais fácil descobrir que atividades irão sobrar para os humanos imaginando todas aquelas que hoje já podem, potencialmente, ser automatizadas e performadas por soluções de RPA e/ou IA.
Efetivamente, tem sido mais difícil ficar imaginando aquelas atividades em que a tecnologia vai demorar muito (o que seria “demorar muito”?) para substituir o homem. Um robô/agente de IA poderá substituir um negociador de uma empresa que precisa rolar uma dívida ou tomar um empréstimo? Uma “máquina” será capaz de sensibilizar um comitê de crédito, um fundo de investimentos ou uma assembleia de acionistas? Poderá submeter e aprovar um projeto ou um orçamento perante um Conselho de Administração?
O robô terá capacidade de olhar nos olhos do subordinado e aceitar ou recusar um pedido de aumento de remuneração? Enquanto houver subordinados parece-nos difícil imaginar uma máquina fazendo isso da maneira adequada.
Enfim, chegamos à conclusão que é bem mais difícil vislumbrar o que vai sobrar pensando no que não pode ser substituído do que fazê-lo a partir daquilo que já sabemos ser possível substituir.
Uma atividade financeira que existe em todas as empresas e que permeia todas as três grandes áreas de decisão já citadas é a gestão de fluxo de caixa.
Analisando primeiramente os fluxos de entrada de dinheiro: a área comercial vende, a venda gera automaticamente uma fatura, um boleto de cobrança e um lançamento no contas a receber. A mercadoria vendida é automaticamente baixada dos estoques e os efeitos tributários são automaticamente apropriados. O cliente paga, o dinheiro entra na conta e é dada baixa na cobrança.
Se o cliente não pagar, recebe automaticamente um aviso. Passado um prazo vai a protesto. O robô do jurídico recebe o instrumento de protesto, prepara a notificação e logo em seguida a petição de execução e a encaminha para um advogado humano assinar. Outro robô a protocola em juízo.
Apareceu, então, um primeiro humano necessário: um advogado para assinar. Mas, reparem bem, ele não é um colaborador da área financeira.
Na grande área de aplicação de recursos agentes inteligentes (IA) podem calcular as melhores escolhas a partir de parâmetros determinados pelo planejamento da companhia. Seja para investimentos financeiros, seja para investimentos operacionais ou estratégicos. A lógica de alocação de capital tem parâmetros que podem ser previamente definidos.
Por exemplo, a Sadia não teria quase quebrado em 2008, quando tomou um prejuízo de R$ 2,5 bilhões com operações de câmbio, se estivesse sendo operada por um agente de IA. Havia uma determinação do Conselho de Administração delimitando a exposição cambial, a qual não foi respeitada pelos executivos. Estes sofreram punições diversas, mas a empresa sofre muito mais do que eles. O agente de IA teria respeitado o Conselho.
Na grande área de financiamento, por sua vez, uma vez definidos os parâmetros de estrutura de capital (composição entre capital próprio e capital de terceiros), custo de capital, grau desejado de alavancagem, apetite a risco, “pecking order” (prioridade de fontes de captação) e outros parâmetros perfeitamente quantificáveis, os agentes de IA já podem começar a trabalhar.
Talvez a última grande área de decisões financeiras em que chegarão os agentes de IA será a destinação de resultados. De fato, aqui as decisões envolvem muitas estratégias, internas e externas, e negociações. Há um verdadeiro “cabo-de-guerra” entre os detentores do capital, agentes (gestores) e controladores da companhia. Propriedade, posse e controle têm, naturalmente interesses conflitantes. A vantagem dos agentes de IA, aqui, é que eles não têm mãe, pois sempre alguém fica insatisfeito quando se toma decisão sobre a divisão dos resultados.
Bem, o fato é que mudou muita coisa recentemente com o advento de tecnologias inteligentes aplicadas ao trabalho. O importante é falar muito sobre o assunto e tentar antever as consequências desses grandes “avanços” da nossa civilização. Algumas providências precisam ser tomadas para resguardar as pessoas. O ser humano já fez muito mal a si próprio no passado. Pode fazer novamente. Uma boa ideia hoje pode não ser uma boa ideia amanhã.